Em decisão recente da OMC (5/3), um painel de especialistas da organização decidiu a favor da União Europeia numa reclamação de barreira técnica inadequada por parte da Malásia e Indonésia. Há na UE regulações desde 2018 que visam à redução de emissões de CO2, associadas aos combustíveis fósseis como uma ênfase em combustíveis renováveis (RED II). A meta de UE é trabalhar para que cerca de 30% de seu uso de combustíveis seja de origem renovável. Os produtos envolvidos na reclamação são biocombustíveis derivados do óleo de palma.
Em que se trata essa decisão da OMC? Basicamente, a OMC reconhece que a UE tem prerrogativas de estender ao mercado internacional de seus importados as exigências que ela postula sobre seus produtores nativos através do RED II. Em nível mais técnico, a UE considera a possível mudança indireta do uso da terra na produção de biocombustíveis à base de óleo de palma por Malásia e Indonésia ao impor barreiras técnicas à importação desses biocombustíveis pelos seus países membros. A mudança indireta do uso da terra consiste no desmatamento de florestas ou mudança no uso da terra que reserva grandes quantidades de CO2 com fim a uma produção deslocada de terras previamente desmatadas. Essas terras previamente desmatadas seriam usadas, neste caso, para a produção de biocombustíveis à base de óleo de palma. Em termos práticos, a mudança indireta do uso de terra com essa substituição por produção de combustíveis não fósseis poderia num efeito global de aumentar as emissões da gases de efeito estufa, em contraposição ao efeito inicial esperado de levar a uma redução dessas emissões.
Essa decisão não foi unanimemente favorável à União Europeia, todavia. O painel como um todo menciona que a UE não revisa apropriadamente quais biocombustíveis têm maior risco associado em causar emissões via mudança indireta do uso da terra. Particularmente interessante, um panelista, dentre três, manifestou-se muito favoravelmente às reclamações da Malásia e Indonésia, reconhecendo que a União Europeia usa barreiras técnicas aparentemente ambientalmente conscientes como justificativa para implementar protecionismo. Isso configuraria, pois, como protecionismo verde. Dissidências de panelistas da decisão final não são muito comuns. Geralmente, os panelistas adicionam comentários às decisões que coadunam com a decisão do painel. Esse aspecto é muito relevante na medida em que uma decisão unânime poderia indicar que a OMC iria autorizar que países e blocos usassem seu poder econômico para difundir suas percepções e regulações relacionadas à política ambiental. A União Europeia pode considerar na verdade com base dessa decisão que valida suas exigências regulatórias dos seus importadores por parte da OMC como um sinal de que ela pode/deve expandir tais exigências. Em termos de Brasil, dada a intensidade do fator terra na produção agrícola e pecuária, regulações europeias mais precisas em termos de desmatamento embutido nesses produtos assim como uso da terra podem contribuir por criar certas dificuldades às exportações brasileiras. Como membro da OMC, o Brasil poderia abrir reclamações frente à organização, contudo agora há um precedente, ainda que não unânime, chancelando o direito da UE de estender suas regulações ambientais aos seus produtos importados.
Mais informações podem ser verificadas no Valor Econômico. A decisão da OMC na reclamação da Malásia contra a UE pode ser acessada aqui.